segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Algo curioso

Pois é, caros leitores deste distintíssimo blog. Já por duas vezes, se não estou em erro, vos falei da minha cidade de Espinho, e acho que não é demais falar terceira, isto porque, quero mostrar-vos a minha tristeza e profundo medo sobre o que possa acontecer nesta cidade plantada à beira-mar. Antes de mais vou-vos contar uma coisa que se passou ontem comigo: como portista, desloquei-me ao Estádio do Dragão para assistir ao F.C. Porto - V. Setúbal, e cujo o resultado foi 2-0, mas isso não interessa nada. Saí do estádio quando se iniciaram os períodos de descontos e demorei mais ou menos doze minutos a chegar a Espinho. Quinze minutos foi o tempo que fiquei parado no passagem de nível da rua 15, em frente ao Baliza. Passou um comboio, abriram-se as cancelas e logo a seguir fecharam outra vez. O que vos apraz dizer sobre isto? Vergonhoso, é a palavra certa. Em conversa com o proprietário do restaurante onde jantei com os meus pais ele dizia qualquer coisa como isto:

- Era preciso alguém que percebesse do assunto. Entregar esta obra a quem realmente de Urbanismo percebe!

A obra estará concluída em Abril de 2008, eu adianto ainda mais: estará concluída no dia 1 de Abril de 2008 (dia das mentiras). Toda esta empreitada é uma mentira, foi mais uma maneira de gastar dinheiro, como aconteceu com a antiga Real Fábrica de Conservas Brandão & Gomes, situada no extremo sul da cidade de Espinho. Foram gastos rios e rios de dinheiro para construir uma coisa que ficou feia e que ainda não sabem o que vão lá pôr. Talvez um Centro Cultural de Belém para mostrar, não a colecção Berardo, mas sim as fotografias das inúmeras viagens do Sr. Presidente com os velhinhos ao Brasil, mas ao que parece, acabou-se o plafon. E agora perguntam vocês:

- Mas como é que eu posso fazer para ir ao Brasil com o Presidente?

É fácil, votam nele e aplaudem-no quando o virem na rua, porque é sinal que esteve mais um dia do que no ano anterior na sua cidade.

Reparem numa coisa:

  • Espinho tem 21 km2 e muito dinheiro mal gasto
  • São João da Madeira tem 7 km2 (mas ao contrário desta nossa cidade tem evoluído, e não é pouco, porque se não vejam: Internet sem fios para todos os habitantes da cidade, devido a um investimento brutal da Câmara Municipal; espaços verdes muito bem cuidados e tratados; Casas apalaçadas e antigas restauradas em benefício das suas gentes, no que toca à Cultura e Música, Dança, Teatro...); está uma cidade bem arranjada, no que toca ao urbanismo; e acima de tudo: têm um Presidente da Câmara presente.

Estou realmente preocupado com o que se passa na minha cidade, mas estou ainda mais preocupado com aquilo que vai acontecer se nas próximas eleições autárquicas o desfecho for igual às outras: vitória do Partido Socialista.

Até ao próximo post,

F-M-A

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Capítulo 8: "Olá Avô"

Olá avô,

Aqui estou eu para te escrever esta carta que sei que não a vais receber mas precisava de desabafar. Nunca falei a ninguém sobre estas cartas, a mãe ia achar uma tolice e o pai se calhar nem ia comentar, nem contei isto ao Eduardo. Tenho andado tão bem, estou apaixonado estou a jogar bem golfe e o curso está a correr bem. Estou a contar regressar à Selecção Nacional nos próximos tempos, já que os resultados têm aparecido. Continuo a gostar de estar com os meus amigos, o pessoal do curso tem sido fantástico comigo, emprestam-me os apontamentos quando eu não vou, o restaurante da tia Cristina anda de vento em poupa… Enfim, está tudo a correr como previsto. Queria-te pedir uma opinião: lembras-te da Martinha? Aquela miúda com quem eu jogava golfe? Pois é, eu namoro como sabes com a Mariana mas ainda não deixei de gostar dela. Até me tremem as pernas quando a vejo lá no golfe, ela é sempre tão simpática comigo que me dá talvez algumas esperanças, apesar de eu saber que são nulas, dada a diferença de idades, mas eu gosto muito dela. Achas que era muito mau se eu algum dia namorasse com ela? Espero que estejas bem, nesse paraíso para onde todos nós vamos, seguramente!

Um abraço do teu neto e amigo,

Mário!

Capítulo 7: "Está na hora"

Telefonei ao Eduardo mal cheguei a casa depois do jantar com a Mariana. Ela ainda tinha de ir fazer a mala. Disse-me que vinha dentro de três meses para passar o aniversário do pai. Telefonei ao Eduardo porque estava numa “down”. Sabia que não ia poder beijar a Mariana durante três meses, que não ia poder estar com ela, que não ia poder tomar o cafezinho depois do pequeno – almoço na Foz. Mas adiante: combinámos uma partida de ténis no CTP para descontrair. E pronto, lá fomos jogar, perdi por 6-3 e 7-5. Combinámos também ir jantar a Espinho para pormos a conversa em dia, o Eduardo ultimamente andava muito por Aveiro por causa de exames, testes, e claro, Miúdas. Falei-lhe sobre a carta que a Mariana tinha recebido de Londres, mas ele disse-me o que me disse a minha mãe: que não podia agarrá-la para sempre, tinha que a “deixar voar”. Chorei a noite toda. Jantámos uma francesinha e bebemos duas cervejas cada um, não levei o Porsche, ainda estava chateado. Tão chateado que decidi levar a mota, e eu que normalmente não levava a mota à noite. Falei-lhe sobre a viagem da Mariana e ele tentou-me animar mas foi completamente impossível. Não consegui ir ao aeroporto, mas também a Mariana não me deixou, disse que já era difícil ver-me ficar “do lado de cá”. Disse que me ligava quando chegasse a Londres ao apartamento, como levava computador íamos falar todos os dias através do Messenger, mas falei ao Eduardo sobre uma viagem a Londres dentro de um mês e meio para lhe fazer uma surpresa. Quando lhe estava a contar isto ela ligou-me:

- Olá meu amor, então o que estás a fazer?

- Oh minha pequenina, a viagem foi boa? Eu estou a jantar em Espinho com o Eduardo!

- Eu acabei de jantar com o meu chefe, o responsável pela investigação, ele fala português muito bem, de maneira que não vai ser difícil comunicar com ele. O resto do pessoal é ingleses, americanos e um espanhol. Como sabes não me dou bem com os espanhóis e com este ainda menos. Foi muito antipático comigo, por eu ser portuguesa.

- Olha, antes que me esqueça: o meu pai vai-me dar um cão! Já viste a minha sorte? Consegui convencê-lo a ter um cão. Ainda não sei qual vai ser a raça, ainda tenho que falar com um amigo meu que é veterinário.

- Estás a ver? O teu pai é teu amigo! E o que é que fizeste hoje?

- Nada de especial, de manhã fui jogar ténis com o Eduardo, dei um passeio pela Foz, o que costumamos fazer juntamente com o Simba, almocei em casa e agora estou em Espinho a jantar. Está uma noite porreira, se calhar ainda vamos ficar por aqui para tomar um cafezinho. Ah, é verdade: amanhã, como é sexta vou treinar porque no sábado e domingo tenho um torneio de golfe muito importante. Quem sabe se jogar bem não volte a jogar pela selecção. Lembras-te das fotos e taças que te mostrei? Adorava jogar outra vez pelo nosso País.

- Só tens que treinar. Aproveita agora que estou fora, porque depois quando chegar tens que trocar os ferros por mim, ou se calhar, ainda começo a jogar contigo.

- Ok! Hoje quando chegar a casa vou ao Messenger, quando chegar mando-te um toque e depois falamos. Um grande beijo, amo-te!

- Eu também te amo!

Cheguei ao Messenger faltavam poucos minutos para a 1 da manhã, já lá estava a Mariana, com a nossa foto, uma foto que tirámos quando fizemos um passeio de barco no Douro, esse dia foi fantástico, passámos o dia todo no rio e viemos de comboio para o Porto, aliás foi nesse dia que vi o Porto a ganhar ao Benfica por 3-1. Contei à Mariana que tinha chorado desde casa dela até casa, mas ela também não estava melhor, também tinha chorado a viagem toda entre Porto e Londres. Enquanto esteve com os pais disfarçou mas quando entrou no avião desatou a chorar. Primeiro porque ia ficar separada de mim, dos pais e do irmão, depois porque teve de suportar aquelas despedidas cheias de emoção no aeroporto. Disse-me que tinha pensado em desistir da investigação e continuar aqui no Porto comigo, mas eu incentivei-a para ela continuar, apesar de estar numa “down”. Mas também três meses passavam depressa. Não lhe falei sobre a minha possível viagem a Londres mas isso também era surpresa. Aliás, já tenho algum dinheiro de parte para poder ir até Londres. Essa noite, chorei novamente, ainda por cima pus-me a ver um filme lamechas, um filme romântico, com a Julia Roberts e o Hugh Grant. Devia era ter visto de guerra, de acção para ver se me esquecia de que não ia ver a Mariana por alguns tempos.

O Eduardo realmente é um grande amigo, ligou-me nessa manhã, convidou-me para ir almoçar com ele à Foz mas eu preferi que ele viesse ter comigo ao clube, comecei a treinar ainda não eram 8:30. O meu treinador esteve a falar comigo, tivemos a filmar o meu swing para ver como estava, deu-me umas dicas para eu melhorar o meu jogo e depois fiquei por minha conta. O meu treinador é um ex-militar, de maneira que o treino era muito, muito intensivo, principalmente nas semanas anteriores aos grandes torneios. Como tinha dito à Mariana, ia jogar no fim-de-semana o tal torneio, era o torneio que fechava a temporada. E pronto, almoçámos e o Eduardo teve-me a ver treinar. Acabámos por passar a tarde juntos. Realmente, o Eduardo é um grande amigo, mas tinha combinado chegar cedo a casa porque ia jantar fora com os meus pais. Durante meses, aliás anos, discuti com o meu pai por causa do tema “Cão”. Era um tema tabu lá em casa, apesar de a minha mãe adorar cães. E pronto, lá fomos jantar a Matosinhos ao restaurante Sempr´assar, um restaurante que eu ia muitas vezes com a Mariana. O meu pai começou logo a dizer que não limpava a porcaria, que não ia com ele ao veterinário, que não lhe ia abrir a porta para sair à rua, blá, blá, blá...

Eu já sabia que o meu pai não ia tomar qualquer tipo de responsabilidade no que toca ao cão, ele simplesmente não gosta de cães. A minha mãe, pelo contrário estava entusiasmada porque desde sempre adorou cães, os meus avós maternos sempre tiveram cães de caça. Até tinha comprado uma data de revistas da especialidade e tinha falado com amigas que tinham cães. Falámos sobre todas as raças e chegámos à conclusão que devíamos ter um cão de companhia, não precisávamos de cães de guarda, a nossa casa tinha câmaras de vigilância. O meu pai veio logo com a conversa das aulas de obediência, de sociabilização. Concordámos em comprar um labrador, o cão da moda. Como no dia a seguir era dia de torneio decidi deixar este tema para mais tarde. Telefonei à Mariana pouco faltava para a meia-noite e fui dormir. Acordei com vontade de jogar golfe, bom golfe. Tinha sabido no dia anterior que ia jogar com a minha melhor amiga, a Martinha, era mais nova do que eu, tinha handicap 1,3 e já tinha realizado vários torneios fora de Portugal, já tinha representado a selecção nacional, o que era de registo. O pai era médico e a mãe era professora de matemática, e tinha de governar os milhões da família. A Martinha andava no 12º ano e queria ser médica, e foi aí que eu entrei, para além do pai.

Cheguei ao clube cedo, eram 8:15, acabei por tomar o pequeno-almoço no bar do clube. Tomei uma meia de leite bem quente, um croissant prensado e levei uma sande embrulhada para o caso de me dar fome. O driving range estava vazio, nenhum dos meus treinadores tinha começado a dar aulas. Aproveitei para pôr os meus auscultadores, ouvir um bocado de Rui Veloso, o meu artista preferido. Pouco tempo depois chegou uma amiga minha, a Maria, vinha com uma cara de sono, tinha saído com uma amiga no dia anterior. Foi aí que eu lhe disse:

- Oh Maria, então tu vais sair na noite anterior a um torneio importante? Não me parece muito prudente da tua parte. Eu deitei-me cedinho e estou aqui fresco como uma alface!

Ela como estava mal disposta disse:

- Ainda bem para ti!

Nem disse nada e continuei a treinar. Passado um bocadinho chegou a Inês, era filha de um professor de Química da Faculdade de Ciências do Porto. Veio ter comigo, deu-me um beijinho carinhoso e perguntou como é que eu estava. Sabia que eu estava numa “down” por causa da partida da Mariana para Inglaterra mas disfarcei e disse que estava melhor. O meu treinador apareceu depois para me desejar boa sorte e para eu jogar despreocupado. Se me lembrar que vou a jogar com uma das minhas melhores amigas mas também uma das melhores jogadoras de golfe de Portugal não vou dar na bola. A terceira pessoa da nossa formação não apareceu porque ficou doente à última da hora! Porreiro! Vou só eu e a Martinha, vamos aproveitar para conversar um bocadinho, divertirmo-nos. Falei-lhe do meu desaire a Neuro Anatomia, mas ela não deu muita importância. Deu-me força para continuar e não desistir ao primeiro problema. Como aquilo era um torneio de dois dias tinha que jogar concentrado nos dois e jogar bem, pensei cá para mim antes de enfrentar o primeiro buraco: “Se eu ficar hoje em primeiro e amanhã não der na bola, como é que vai ser?” Mas depois lembrei-me da conversa que tinha tido com o meu treinador, para jogar descontraído. Comecei tão descontraído que fiz par nos primeiros 3 buracos. Na saída do buraco quatro mandei uma semelhante estalada na bola só que ela apanhou um bocadinho de vento e foi para o rough da direita, fiquei com um shot complicado de ataque ao green, mas nessa altura a Martinha disse-me:

- Mário, quero essa bola na bandeira! Mostra o que vales!

Lembrei-me de ver o Tiger a dar um shot num rough no campeonato em Inglaterra e tentei fazer igual. Não ficou mal mas ainda estava a quatro metros da bandeira, e pensei cá para mim: “Bem, tenho dois putts para ganhar este par, não vou arriscar o birdie”. Vi bem a linha, esperei que a Martinha fizesse o putt e parti decidido. Lá dentro! Birdie! mas não entrei em euforias, parti para o 5 com mais vontade ainda de jogar.

- Grande saída! Disse-me a Martinha. Estou a ver que hoje estás em grande. Tu por acaso não andas apaixonado?! Dizem que faz bem no golfe, fica-se muito mais concentrado! Corei um bocadinho e falei-lhe da Mariana, ela ficou contente por mim. Nunca lhe disse, mas eu já gostei muito da Martinha, é uma miúda fantástica, mas fazemos uma diferença de 5 anos de idade, já é alguma coisa. Acho que o pai dela não ia gostar muito da ideia, ele continua a vê-la como uma menina, a SUA menina!

Continuei concentrado e a jogar bem, tão bem que fiz par do campo na primeira volta. Parámos durante uns minutos para descansar e recuperar forças e enfrentámos a segunda volta como se fosse a primeira, ou seja, tinha 0 pontos. Até disse à Martinha:

- Não me digas quantos pontos levo, porque assim fico nervoso! Sei mais ou menos mas prefiro não saber a verdade!

Bom, comecei a segunda volta com um bogey mas logo a seguir no par 5 fiz um birdie. Pensei para mim: “Mário, o que está para trás já não interessa. Interessa os próximos sete buracos. Se fizeres asneira, de nada valeu o esforço”. Bem, chegámos ao 12 e eu comecei logo a pensar nas últimas três vezes que lá tinha passado: furo, duplo, duplo!! Assim já me ia estragar a média, mas até que correu bem, fiz um bogey. Partimos para o 13 já com a club house ao longe... muito longe. Para quebrar o gelo, a Martinha deu-me um “toque”, de seu nome Mariana. Virei-me para ela e disse:

- Ora bem, começando pelo início: a Mariana é uma miúda que mora muito perto de mim, está neste momento a estudar em Inglaterra, a ajudar numa investigação. Tem a minha idade, o pai é economista e a mãe é rica!

- Desculpa!? Rica?

- Sim, só trata dos negócios da família, tem umas propriedades lá para cima, na região do Douro.

- E vocês já se conhecem há muito tempo?

- Há uns anitos, eu e ela temos em comum alguns amigos, acho que me lembro de a ver na festa de um amigo nosso, o Pedro.

- Como é que reagiram os teus pais?

- Reagiram com normalidade, eu já não sou novo, mas também não sou demasiado velho. E tu, como estás? Andas com alguém?

- Eu? Não tenho tempo para pensar nisso, como sabes o meu primeiro objectivo agora é regressar à Selecção Nacional e voltar a ser campeã nacional, coisa que já não acontece há dois anos.

- Por falar em selecção nacional, conta-me lá como é que o dia-a-dia num estágio?

- É muito duro, eu chorei no primeiro dia! O treinador não é muito simpático, critica-nos a maior parte das vezes e ainda por cima obriga-nos a fazer trabalho de ginásio... Eu que detesto estar num sítio a exercitar os músculos... Enfim, mas o sítio onde estávamos era privado, portanto não tive esse problema. Estive no quarto com uma grande amiga minha, que também já foi campeã nacional mas o seleccionador não nos põe a treinar juntos, porque já sabe que ia ser só conversa fiada e o treino ficava para segundo plano, por isso é que quando eu estou no driving range a treinar fico afastada do resto do pessoal. Não é por ser tímida mas porque quero e gosto de treinar sozinha. Ponho os auscultadores e ninguém dá pela minha presença.

- Sabes que eu gostava de ter motivação para treinar sozinho, mas ainda não a consegui arranjar!

- Oh Mário, tens de pensar que é para teu próprio bem, porque se não treinares não vais recuperar em alturas em que estejas mal. E sabes melhor do que ninguém que o golfe tem muitas alturas más.

- Sabes que desde que a Mariana foi para Inglaterra tenho treinado mais, mas mesmo assim não chega para manter o meu handicap. Já esteve em 0,2 mas nos últimos torneios tem vindo a subir, já não consigo descer há uns dois meses.

- Oh Mário, mas também não tens treinado tanto quanto isso. Eu por outro lado tenho vindo cá sempre que posso, felizmente a minha mãe consegue-me vir cá trazer, outras vezes venho de comboio, chego aqui, aqueço batendo umas bolas, depois parto para o campo e faço meia dúzia de buracos. Mas olha falando de outra coisa: como é que vai o teu serviço como voluntário?

- Olha, fazemos uma coisa: tu convidas-me para almoçar na sexta-feira, eu escolho o restaurante e falamos melhor. Agora, desculpa lá mas quero continuar a jogar bom golfe.

- Tens razão, Mário! Desculpa! Estás a ver porque é que eu quero treinar sozinha? Assim, não converso com ninguém. Bem, vamos mas é acabar os 18 buracos e vamos almoçar à club house.

- Ok, vamos a isso!

E pronto, lá fomos nós até ao 18, um belíssimo par 5 com um lago enorme à nossa frente. Vi para que lado estava o vento, calculei a distância, olhei para o saco, tirei o sand wedge e a bola…

PLOC!!!

- No buraco! Birdie para acabar!

E pronto, assinei o cartão, esperei que a Martinha fizesse o putt, dei-lhe dois beijinhos e agradeci a companhia.

- E desde já, fica combinado o almoço para sexta-feira!

- Conta comigo, amigo!

Entreguei o cartão à Carla, a chefe da secretaria e fui tomar um banho rápido. Almocei com a minha mãe e com o meu pai, porque afinal a Martinha ia almoçar fora com os pais. Falei-lhes da minha prestação do dia e eles ficaram contentes, como é óbvio. Quando acabei de almoçar liguei ao Eduardo para irmos tomar um cafezinho, ele já estava a contar comigo, de maneira que combinámos ir ao Arcada em Espinho. Tomei o meu café do costume: chávena a ferver, café forte e bem tirado, como dizia na brincadeira. Falámos muito sobre o golfe, as miúdas, o meu futuro cão e sobre motas. Ele disse-me que o pai lhe ia oferecer uma Moto 4 da marca XPTO, de não sei quantos cavalos. Eu disse-lhe:

- Eduardo, tem cuidado com isso! As moto 4 são mais perigosas que as motas normais, viram com muita facilidade, há tantos tipos a entrar pela Urgência com pernas partidas, destroçadas, até posso dizer.

- Oh Mário, é que nem penses em contar isso ao meu pai, ele assim não me dá a mota. E o tempo que eu demorei a convencê-los, não me lixes, pá!

- Oh Eduardo, está descansado que eu não vou falar sobre isto ao teu pai, mas como teu grande amigo só te estou a avisar...

- Olha, e o que achas que vai acontecer amanhã?

- Eh, pá! Nem me digas nada: não sei como é que vai ser amanhã, acho que ainda vou treinar um bocado lá no jardim de minha casa. Olha, antes que me esqueça: convidei a Martinha a almoçar comigo na sexta-feira, vou buscá-la ao colégio e vamos almoçar. Estava a pensar no D´Oliva em Matosinhos. O que achas?

- Acho bem, mas diz-me uma coisa: ainda não esqueceste a Mariana, pois não?

- Oh Eduardo, não digas isso nem a brincar. Eu amo aquela miúda! Por acaso vou-lhe ligar mal chegue a casa.

Capítulo 6: "Vamos falar a sério"

(15 dias depois…)

- Mário, tenho de falar contigo.

- O que se passa? Telefonas-me a esta hora da noite, passa-se alguma coisa de grave?

- Não, não te preocupes. Mas é que chegou um envelope cá a casa e precisava de falar contigo. Podes-me vir buscar amanhã de manhã? É que é muito urgente.

- Ok, eu vou-te buscar amanhã. Beijos, adoro-te! Dorme bem.

(Manhã seguinte…)

- Olá bebé, como estás?

- Péssima, estou-me a sentir mal. Preciso de falar contigo sobre este envelope que recebi cá em casa.

- Então diz-me! Já me estás a pôr nervoso.

- Recebi um convite para ir para Londres trabalhar. Quer dizer, não é bem trabalhar, é ajudar numa investigação.

- Mariana, para ti acho que é uma óptima oportunidade mas Londres é longe. O que vai ser de nós?

- Então, cada um espera pelo outro. Se nos amamos de verdade não vai haver crise nenhuma.

- Ó Mariana tu mal entres naquele avião e chegares a Londres vais procurar um rapaz mais bonito que eu.

- Vê-se mesmo que não me conheces. Eu adoro-te Mário, quero ficar contigo para sempre. Mas só te peço uma coisa… não me venhas levar ao aeroporto. Já me sinto mal em sair de ao pé de ti.

- Ok! Está bem! Mas hoje vamos jantar e passamos a noite juntos.

Capítulo 5: "Encontro acidental"

Hoje, como combinado fui ter com a Mariana à Praia do Ourigo por volta das 11:00, e tínhamos combinado que íamos fazer um passeio turístico pelo Porto, ela conhecia os monumentos, como é lógico mas não sabia a história. Mas eu como sempre me interessei pela MINHA cidade fui-lhe mostrar os sítios mais bonitos e contar-lhe um pouco da sua história. Começámos então pela Ponte Pênsil, ou oficialmente designada por Ponte D. Maria II, mas a Mariana não sabia que se chamava assim. Então comecei a contar a história:

- Mariana, vou-te falar um bocadinho sobre esta ponte. Esta ponte foi inaugurada em 1843 e a primeira pedra foi lançada em 1841. A ponte dispunha de dois obeliscos de alvenarias de 18 metros de altura de cada lado, do cimo dos quais prendiam os cabos de suspensão do tabuleiro de 6 metros de largura. Os cabos de 220 fios de ferro cada, mantinham o tabuleiro a 10 metros acima do nível das águas e estavam ancorados em poços verticais de 8 metros (no lado do Porto) e 14 metros (no lado de Gaia), apenas restam como podes ver dois obeliscos na margem direita do rio.

Agora vamos apanhar um barco Rabelo e vamos fazer um passeio pelo Rio e assim passamos pela Ponte Maria Pia. Foi a primeira grande obra de Gustavo Eiffel e é um arco que suporta o tabuleiro ferroviário através de pilares em treliça. A ponte começou a ser construída no dia 5 de Janeiro de 1876 e foi concluída no dia 4 de Novembro de 1877 pelos Reis D. Luís e D. Maria Pia.

Passámos depois pela tão famosa Ponte de D. Luís, e aí eu perguntei-lhe:

- Mariana, sabes quem é que foi o grande chefe que projectou esta ponte?

- Não, respondeu ela.

- O senhor chamava-se Teófilo Seyrig, e foi também responsável pelo projecto da Ponte de Dona Maria Pia, porque ele era sócio do senhor Eiffel. Esta ponte demorou 5 anos a ser construída, começaram em 1881 e foi inaugurada em 31 de Outubro de 1886. O arco desta magnífica ponte mede 172 metros de corda e tem 45 metros de flecha. Eu considero esta ponte a mais bonita do Porto, e de lá temos uma vista privilegiada da cidade.

Depois de visitarmos as três pontes fomos dar um passeio pela Ribeira e comer um gelado. A Mariana gostou muito do passeio e disse-lhe que amanhã vamos fazer um “giro” pelos monumentos mais famosos da cidade, disse-lhe:

- Tu, como dragona tens que conhecer a tua cidade como conheces as palmas das tuas mãos.

Fomos jantar a um sítio típico do Porto, a uma tasquinha que ficava na Ribeira e a seguir fomos a um bar na Foz ter com os nossos amigos. Sim, porque eu e a Mariana temos amigos em comum, apesar de nunca termos sido apresentados. Acho que me lembro, mas não tenho a certeza, da Mariana numa festa de final do ano em casa do Pedro, um amigo nosso. Por acaso na altura, não a achei muito gira, mas actualmente considero-a a mulher mais bonita do mundo. Pronto, já sei que é exagero mas gosto muito da imagem da Mariana.

Acabámos por ir à discoteca onde a conheci, na zona da Foz (como não podia deixar de ser. Cheguei cedo a casa, tão cedo que o meu pai já estava acordado (lol!). Perguntou-me onde é que eu tinha andado, com quem, enfim: perguntas de pai.

Capítulo 4: "Quero o meu primeiro beijo"

Capítulo 4 “Quero o meu primeiro beijo”

Foi precisamente nos gramados do Oporto Golf Club que beijei a Mariana pela primeira vez. Ensinei-a a jogar golfe mas ela, como é óbvio não acertou na maior parte das bolas. Almoçámos no restaurante do clube juntamente com os meus pais, que ainda não sabiam que namorávamos, apenas conheciam a Mariana como minha amiga. Gostaram muito dela, sabiam quem eram os pais e até se davam bem. Pensei cá para mim: um problema a menos.

Agora só me preocupava uma coisa: será que este namoro era para durar? Ninguém sabe, e nunca ninguém espera que na primeira semana haja uma discussão. Saímos do clube e fomos passear para a zona mais bonita do Mundo, para mim claro, a Foz. Passeámos no Parque da Cidade, juntamente com o gigante Simba. Correu que se fartou, brincou com os “amigos” dele e eu e a Mariana conseguimos namorar um bocado. Combinámos ir jantar a Matosinhos, a um restaurante que eu conhecia, só fazia grelhados e assados e era um restaurante de um digno portista. Fui buscar a Mariana passava pouco das 20:30 e fomos directos ao restaurante, já tinha marcado mesa. Agora só havia um problema: onde é que eu ia estacionar o carro? Aquela zona das docas é muito complicada arranjar um sítio para estacionar, ainda por cima eu estava com o Porsche do meu pai, portanto não podia subir o passeio. Estava um tempo fabuloso, abri a capota e tudo. Mas pronto, lá chegámos a Matosinhos e consegui estacionar o carro praticamente à porta do restaurante. Acabámos de jantar e fomos até um bar que tem música ao vivo ao fim-de-semana, falámos com amigos comuns e suas respectivas e passámos ali um bom bocado. No final da noite, e já com alguns copos de cerveja em cima o pessoal desafiou-me a tocar piano para quem estava no bar. Como conhecia o dono e ia lá várias vezes não foi muito complicado ter a minha primeira actuação em público, digamos assim.

Toquei várias músicas, entre as quais portuguesas e estrangeiras mas não posso deixar de dizer que toquei uma interpretação que eu fiz de uma música que fala sobre a cidade do Porto. Saímos do bar já passava das 4 e 30 da manhã. Fui levar a Mariana a casa, ainda tivemos um bocado à conversa dentro de casa e combinámos encontrar-nos na Praia do Ourigo ao final da manhã para tomarmos o café da “praxe” antes do almoço. Claro que eu tomava o café e rematava com uma nata cheia de canela, ainda estou em fase de crescimento. No meio disto tudo esqueci-me que ainda estava na altura de exames. Quando cheguei a casa às 5:00 o meu pai estava à minha espera, eu já estava a prever que isso acontecesse:

- Raios, havia de ter um sono mais pesado!

Foi então que o meu pai se sentou comigo na sala de estar e perguntou-me:

- Mário, o que é que queres fazer da tua vida?

- Para quê esta conversa agora? São 5 da manhã, pai!

- Por isso mesmo, não achas irresponsável da tua parte em altura de exames andares a sair até estas horas?

- Mas eu sempre saí até tarde e tu nunca criticaste. Ou esta conversa não tem a ver com o facto de eu ter levado o Porsche? Que eu saiba, tu emprestaste-me.

- Isso eu sei, mas eu estou preocupado contigo, quero que tu acabes o teu curso, quero que tenhas uma vida estável, quero que te cases, quero que constituas uma família.

- Isso é o sonho de qualquer pai, mas tens que respeitar as minhas opções, aquilo em que eu acredito, aquilo que eu gosto de fazer. Gosto de jogar golfe, gosto de medicina, e gosto da Mariana.

- Então estiveste até esta hora com a Mariana? Vocês são namorados?

- Por acaso não era para te contar para já, a ti e à mãe, mas eu e a Mariana namoramos.

- Podias ter dito, assim fico mais descansado. Pensava que tinhas ido para os copos com os teus amigos. Bom, vai lá descansar porque amanhã tens que estudar.

- Eu sei pai, já não sou uma criança, tanto que já estou a meio do curso de medicina. Mas quero que saibas uma coisa, antes que te digam: não passei a Neuro Anatomia, tenho que ir a Setembro.

- Não te preocupes, em Setembro fazes isso nas calmas. Vá, dá cá um abraço ao teu velhote…

Capítulo 3: "Joguei bem"

Ontem, depois do torneio fui para casa descansar, peguei num livro de poesia, pus um CD de música clássica no escritório do meu pai e pus-me a ler. Não demorei nem dez minutos a adormecer, estava mesmo cansado. O torneio tinha corrido bem mas também não foi nada de especial, fiz 3 acima do par. Os greens estavam bastante lentos e os primeiros buracos foram complicados, ainda por cima não tinha feito aquecimento adequado e aleijei-me nas costas. Às 17:40, estava eu sentado ao piano à espera de inspiração, tocou o telefone: era o Eduardo a convidar-me para ir jantar uma francesinha a Espinho a um restaurante que só fazia francesinhas, o restaurante era porreiro e eu aceitei o convite. Saí de minha casa às 20:00, fui buscar o Eduardo no Porsche, que mais uma vez o meu pai emprestou e fomos até Espinho a mais de 200 km/h, foi uma viagem alucinante. Falei-lhe da ideia de fazer um DVD ou de escrever um livro. Ele aconselhou-me a escrever um livro mas isso demorava muito mais tempo. O DVD era fácil, era só filmar e arranjá-lo no computador, até tinha um amigo que percebia disso. Tivemos no restaurante até à 00:00 e depois fomos para aquela discoteca que tínhamos ido na semana passada, ficava dentro de um centro comercial. Não percebo esta juventude: com 16 anos já saem à noite, já bebem bebidas alcoólicas, fumam. Enfim, tudo o que faz mal, até comentei isso com o Eduardo mas ele só encolheu os ombros e disse:

- Já fomos assim, agora estamos velhos meu amigo.

Pois é, é essa a realidade crua e dura. Eu já estou no 3º ano de medicina, o Eduardo está-se a formar em Gestão de Empresas, a minha irmã tem agora um gabinete fabuloso no centro de Barcelona, em frente a uma loja famosíssima de roupa italiana. Não faço ideia se ela vai voltar para casa, eu se fosse a ela não voltava. Tem uma vida desafogada, tem um carro fantástico e já se casou com um rapaz espanhol (único defeito dele).

Então lá no bar apareceu a certa altura a Mariana, tínhamos falado assim por alto na Internet mas não tínhamos combinado nada de concreto. O Eduardo aproveitando o facto de eu estar a conversar com a Mariana foi meter conversa com uma miúda, podre de boa que estava a dançar na pista. Só que passados alguns minutos apareceu o namorado dela, tinha 1 metro e 95. Era um armário, aí o Eduardo ao seu melhor nível saiu de fininho e foi ter comigo. Viemos embora antes que as coisas dessem para o torto. Deixei o Eduardo em casa e fui embora. Entretanto a caminho de minha casa tocou o meu telefone, era a Mariana a pedir-me um favor, para eu ir à net quando chegasse a casa, ainda tivemos a falar durante um bocado e então foi aí que eu me declarei, disse-lhe:

- Mariana, apesar de nos conhecermos há pouco tempo eu sinto uma grande admiração por ti, acho que és uma miúda fantástica. Queres namorar contigo?

Ela disse:

- Apesar de te conhecer há pouco tempo também gosto muito de ti. Aceito. Amanhã vem-me buscar às 10 horas para irmos tomar o pequeno-almoço.

Nem consegui dormir, só pensava como seria o beijo da Mariana, o cheiro do cabelo dela, a cor dos olhos dela. Eram 9:55 quando cheguei à porta de casa dela. Infelizmente o meu pai não me emprestou o Porsche, de maneira que fui no meu Godinhas, um VW Golf GTI, de 150 Cavalos. Fomos tomar o pequeno-almoço ao Maiorca. Mal saímos de lá fomos caminhar à beira-mar, passando pela Foz e pelo Parque da Cidade. A Mariana adorou o passeio, disse-lhe que podíamos repetir mais vezes, até com o Simba. Perguntei-lhe se sabia jogar golfe, mas ela disse-me que não. Fomos então até ao Oporto Golf Club, em Espinho para a ensinar a jogar. Ela ao princípio estava um pouco reticente mas aceitou o convite.

Capítulo 2: "Hoje sim"

Capítulo 2 “Hoje sim...”

Fui hoje ao cemitério com a minha avó. O táxi percorreu ruas com casas velhas, crianças descalças e sujas, cães e gatos vadios, até nos deixar em frente a um enorme portão, no meio de um muro branco que parecia nunca mais acabar.

Trazia na mão um ramo de margaridas para o avô e uma rosa para a minha tia, irmã dela. A avó subiu uma escada à esquerda de quem entra e caminhou decidida entre túmulos brancos, pedaços de relva mal cuidada e restos de flores, até se ajoelhar ao pé de uma pedra com dizeres simples, António Gonçalves e o ano da sua morte. Fiquei de pé com as flores na mão, a ladear o avô estavam duas sepulturas cheias de frases e santos, “Eterna Saudade” e “Por ti sofri”, reparei que todo o cemitério tinha pedras verticais com mais ou menos inscrições, não existiam lugares para pôr flores, havia só espaço para pensar.

Já não sei, Avô, se nesse momento chorei a tua morte ou a perda da minha tia-avó, sei que a avó se levantou e ficámos de mão dada a olhar para o lago do cemitério, lá estavam os pássaros do enterro do avô, famílias inteiras a subir as escadas laterais, uma luz forte sobre a relva e os túmulos, aviões ao longe.

A avó ajoelhou-se outra vez para limpar a pedra do avô, guardou num saco de plástico resto de flores e pedaços de terra solta, fez o sinal da cruz e ficou em silêncio durante alguns minutos. Pensei que se tinha esquecido das margaridas e comecei a encostá-las com todo o cuidado à pedra do túmulo, para evitar que caíssem do modo abandonado de que não gostava. A avó completou o arranjo num instante e disse-me que ainda tínhamos de ir a outro lado. A avó Teresa é espectacular, parece que advinha o que estamos a pensar, como é possível saber que tenho sempre a Rita na cabeça?

Na recepção do cemitério não me senti nada bem. Perguntaram a data da tua morte, aí não foi difícil, como podia não saber? O problema é que perdi a noção do tempo, não sei se passaram dias ou semanas, às vezes parece-me que foi ontem, depois paro para pensar e julgo que foi há anos. Mas depois deixámos logo o cemitério e fui levar a avó a casa. Ela nunca andou de mota comigo, acho que tem medo. Mas eu perguntava-lhe como é que ela tinha medo de andar de mota se o avô teve sempre uma. Ela respondia-me:

- Eu andava, porque não tinha outro remédio. Mas o teu avô era muito cuidadoso.

A tarde de hoje foi inesperada. Saí da faculdade um pouco cansado, depois do lanche dormi um sono tranquilo como há muito não acontecia e ao fim da tarde consegui estudar com rendimento.

O Eduardo telefonou-me depois do jantar para me convidar para sair. Tinha esquecido por completo que era sexta-feira e nas últimas semanas a noite não fazia qualquer sentido.

Devo ter mostrado que andava mesmo numa má porque, ao contrário do habitual, os meus pais encorajaram-me a sair desde que não viesse tarde, frase que já ouvi para cima de quinhentas vezes. O meu pai até disse que me emprestava o Porsche à noite. Mas eu preferi ir de táxi até um café perto de casa do Eduardo. Quando saímos à noite nunca levamos as motas nem os carros porque sabemos que vamos beber. O João chegou ao mesmo tempo que eu, trazia como de costume uma T-shirt sobre a defesa do ambiente e umas calças largas como é moda agora, começámos logo a falar de futebol e do stress da faculdade.

O Eduardo vinha eufórico. Tinha recebido um telefonema de uma rapariga com quem tinha curtido no fim-de-semana anterior, disse-nos que não estava à espera, mas que era óptimo. Podia ser mesmo que desse para andar, logo se veria.

Bebemos umas cervejas, o João contou anedotas desta vez com graça, estávamos muito próximos e não me senti mal. O que mais gosto nos amigos é a maneira como dão apoio sem falarem disso, a forma como se preocupam comigo sem precisarem de o mostrar. É certo que não tenho muitos amigos mas os que tenho são fiéis e preocupam-se comigo. Ficámos a fazer horas até o café fechar. Adoro esta pastelaria na parte velha da cidade, dava para ver o Rio Douro e a Ribeira de Gaia, mesas pequenas com tampo de vidro e pé de metal, cadeiras de madeira, à esquerda uma parte moderna que parece pertencer a outra loja mas ainda faz parte do café.

Quando saímos do café ainda ficámos algum tempo a conversar, o Eduardo encostado a um candeeiro a contar mais uma anedota, eu e o João sentados num pequeno muro em frente. Às vezes gosto mais destes momentos do que da discoteca onde vamos, embora desta vez o Eduardo tinha dito que era um sítio espectacular.

A discoteca escolhida pelo Eduardo não ficava longe. Entrava-se para um centro comercial antiquado, portas de vidro ainda de empurrar, passadeira de cor indefinida gasta pelo uso, pequenas lojas ao longo do corredor até chegar a uma grande escada de acesso à cave, parecia um centro comercial parado no tempo. O porteiro era muito alto e tinha ar de estrangeiro, comecei a pensar que não ia com a minha cara e ficaríamos pendurados, mas o Pedro conhece sempre alguém da gerência e num instante estávamos lá dentro.

Observei o ambiente. Um bengaleiro e um bar frente à entrada, ao fundo máquinas tipo flippers que o escuro não deixava perceber bem, outro bar junto à pista, tudo como eu gosto, bastante pequeno e íntimo. Música electrónica repetitiva, reconhecia faixas de cd´s recentes que a minha mãe descrevia como marteladas, muita malta nova de copo na mão junto aos balcões. O João pediu umas cervejas e passado um bocado já estava na pista, a meter conversa com duas raparigas bem giras. Fiquei com o Eduardo junto ao bar, com vista para o WC das mulheres, como ele disse com um grande sorriso.

A uma certa altura houve uma rapariga que se riu para mim e eu caminhei na direcção dela. Cumprimentámo-nos e começámos a falar. Chamava-se Mariana e era uma rapariga lindíssima, alta, parecia ser uma modelo. Trocámos logo os números de telefone, endereços de e-mail. Passaram três horas sem eu ter dado por isso. Entretanto o Eduardo chegou à minha beira e disse-me que se tinha de ir embora. Eu concordei com ele e saímos. Tinha dito à Mariana que lhe telefonava no dia seguinte para irmos tomar um café. Ela disse que ia estar na Net a seguir ao almoço, preferia que combinássemos a partir da Internet. Para além de ficar mais barato, ainda não tinha confiança com ela para lhe telefonar.

Fui para a faculdade de manhã cedo para não apanhar o trânsito infernal do Porto, mais propriamente ali na zona das Antas e do Hospital de São João. Saí de casa bastante cedo, o meu pai ainda nem sequer estava a tomar o pequeno-almoço. Acabei por tomar o pequeno-almoço na faculdade. Nunca mais me vou esquecer do que vi quando estava a entrar: uma mulher ucraniana a entrar com o filho nos braços, o miúdo não conseguia respirar. Eram ainda 7:45 e já o São João parecia um pandemónio: ambulâncias a chegar, ambulâncias a partir. Enfim, um verdadeiro pandemónio.

Estava eu a passar pela sala dos alunos quando vejo a minha afilhada atarefada como sempre a estudar, convidei-a para tomar o pequeno-almoço. Passámos então pela Urgência só para ver como é que estava o “ambiente” e seguimos em direcção ao bar. O bar já estava atafulhado de professores a tomar o pequeno-almoço, uns com um ar ensonado, outros nem por isso. Tomei um café com leite e comi um brioche (pão de leite) com manteiga. A Joana gozava sempre comigo quando eu pedia um brioche e começávamo-nos a rir. O Miguel tinha a mania que era inteligente e pedia sempre um copo de leite e um croissant prensado com manteiga e fiambre. Ele dizia sempre que o homem que cresce inteligente tem que beber um copo de leite ao pequeno-almoço, um depois do almoço e outro ao jantar. Eu disse-lhe um dia:

- Ó Miguel, eu se bebesse tanto leite como tu ficava branco.

Ao que ele respondeu:

- Mas ficavas mais saudável, no golfe precisas de ter músculos fortes, e o leite fortalece, como sabes!

Seguimos em direcção às salas de aulas, tínhamos aula de Pediatria, custava-me ver crianças tão pequeninas a sofrer numa cama de hospital mas é assim a vida, como dizia a Joana. A aula correu bem e quando acabou fomos almoçar a um shopping que havia perto da faculdade. Quando acabámos de almoçar fui à faculdade buscar a mota e fui passear pela beira-mar, comecei na Foz e só acabei em Miramar, a poucos quilómetros de Espinho e Granja. Fui lá ter com uma amiga minha, a Bárbara, uma miúda muito interessante que veio de Lisboa para o Porto para estudar Gestão de Empresas. Andava numa faculdade privada. Tinha antes telefonado à Mariana mas ela tinha uma consulta no dentista. Não sei se era verdade ou não mas o que é certo é que combinámos ir tomar café a seguir ao jantar.

Cheguei a casa relativamente cedo, eram 18:30, o meu pai já lá estava. Pedi-lhe emprestado o Porsche para ir sair à noite e ele aceitou o meu pedido, acabando por dizer:

- Vê lá se não andas depressa, lembra-te que levas uma pessoa no carro.

O meu pai sabia perfeitamente que eu não andava depressa, ainda por cima no Porsche. Falei-lhe da Mariana e ele achou bem que eu me divertisse e namorasse.... Coisas de pai.

Fui buscar a Mariana a casa, não ficava muito longe da minha, ela também morava na Marechal. Fiquei encantado com a casa dela, convidou-me para entrar porque os pais não estavam em casa. Só lá estava a Mariana e o Simba, um cão de raça Dogue Alemão, enorme.

Era um cão muito simpático e até gostou de mim, deu-me um abraço, pôs-me as patas nos ombros. Fiquei foi maravilhado com o salão de casa dela, tinha um piano de cauda, uma bateria, várias colunas de concerto, uma mesa de mistura enorme de uma marca alemã. O irmão dela, o Miguel tinha uma banda que tocava em vários bares da cidade do Porto e Matosinhos. O género de música que eles tocavam era calmo, jazz e bossa nova. Ainda não tive oportunidade de assistir a nenhum concerto deles mas ela disse-me:

- Amanhã eles vão fazer um ensaio, telefono-te e vens cá assistir. Já gravaram um CD de demonstrações e a editora tinha gostado de ouvir, quem sabe se eles não chegam longe!?

Fomos tomar café ao Nomt, um café restaurante em Gaia, perto da Ribeira. Estivemos na conversa até às 2:00 e depois fui levá-la a casa porque no dia seguinte, apesar de ser sábado tinha que me levantar cedo porque tinha um torneio de golfe em Ponte de Lima. Ando a levar o golfe muito a sério, se calhar mais a sério que a Medicina, o meu pai já me disse que me tirava os tacos se eu não passasse este ano.

Mas disse ao meu pai que entrei para Medicina porque já tinha representado mais do que uma vez o país e por isso tinha estatuto de atleta de alta competição. Disse-lhe:

- Não te esqueças que a média para Medicina é muito alta, mais ou menos 18,5 e eu entrei com 15. Não te esqueças disso.

Por falar agora em golfe vou aqui confessar uma coisa: comecei a jogar golfe com o meu pai no Oporto Golf Club quando tinha 6 anos. Achei aquele jogo uma seca, tinha que caminhar muito e ainda por cima era um desporto um tanto ou quanto elitista. Lá no clube era só pessoas da Foz e da Marechal a chamarem tio ao meu pai e eu pensava:

- A minha família é muito grande, pelo menos aqui no golfe.

Ganhei o meu primeiro torneio no ano longínquo de 1996, ou seja, há mais de 6 anos. Tinha na altura 15 anos e mal acabei esse torneio dirigi-me ao balneário e estava lá o meu treinador e o seleccionador nacional de Golfe e disse-me que tinha gostado de me ver jogar, que eu tinha um swing fabuloso, uma batida de bola fantástica e eu agradeci. Daí até representar a selecção foi um passo. O torneio foi em Agosto e eu em Dezembro desloquei-me à Quinta da Ria para um estágio. Estavam lá os melhores jogadores de golfe portugueses, os meus ídolos. Fiquei num quarto com o seleccionador visto ser o primeiro estágio. Era uma pessoa bastante comunicativa, simpática e divertida. Foi bastante duro passar uma semana fora de casa, acordar todos os dias às 6:30 da manhã para tomar o pequeno-almoço, às 8:30 já estávamos a treinar no Driving Range. À tarde costumávamos fazer 18 buracos na modalidade de Stroke Play, não gostava muito desta modalidade mas enfim, quem mandava era o treinador. No dia em que me vim embora o meu treinador ofereceu-me um livro bastante interessante, estava intitulado de “O Golfe não é um desporto para perfeccionistas”. Ele disse-me que eu tinha de jogar golfe para me divertir, não podia querer ver resultados depressa. Apenas jogar para me divertir, tanto que eu ainda não tinha jogo para ser regular, ou seja, fazer bons resultados e descer de handicap. O meu handicap na altura era de 13, e agora passados mais de 10 anos está em 0,2. Sou quase skretch. Não sei se quero fazer do golfe a minha vida, até porque estou a tirar medicina.

Capítulo 1: "Que chatice"

Hoje apetece-me partir tudo, pegar na minha mota e desaparecer ao longe, deixar de vez a faculdade e os amigos, dizer adeus aos pais e ir embora.

Nunca pensei que surgisse uma coisa destas. Olho para a minha cara no espelho da casa de banho e não quero acreditar no que aconteceu. Acho que ando com mau aspecto, talvez seja porque estou sem pachorra para fazer a barba. A minha mãe diz que tenho de a fazer todos os dias, porque ainda não é suficientemente forte para se deixar crescer e se não me barbeio fico com ar doente. Eu sei que é por outra razão, mas não consigo falar com os meus pais sobre o que se passou: uma negativa a Neuro-Anatomia.

Tentei ter uma conversa com o Pedro. Disse-lhe que não tinha nenhuma namorada, não andava com ninguém e que tinha tido um problema. Mas que problema foi esse? Ainda hoje me pergunto: como é que eu reprovei a neuro anatomia? Uma disciplina em que não tinha dificuldades? Sempre gostei de saber o que é que há no cérebro, porque é que temos problemas na cabeça, qual é a zona do cérebro que “trabalha” o tema MULHEIRES. Numa semana fui operado ao joelho, fiz uma artroscopia exploratória, falei sobre a minha paixão de medicina com o médico, disse que tinha concorrido à UP para medicina. Andei nervoso e passados alguns dias soube que tinha entrado em Medicina. A minha mãe era economista e o meu pai engenheiro, não saí a ninguém de lá de casa. A minha irmã é arquitecta de interiores e mora em Barcelona desde 1993. Já lá vão sete anos, costumamos estar juntos no Natal, no Ano Novo e na Páscoa mas já não é a mesma coisa. Às vezes vou lá fazer uma visitinha, passo lá dez dias. Sinto saudade das nossas conversas, das nossas noitadas a ver filmes e a comer pipocas. Sinto saudades das nossas corridas de mota. Nunca lhe disse isto mas ela andava melhor do que eu.

Peguei na mota e fui até à Foz para tomar uma cerveja ou duas, telefonei ao Eduardo mas ele estava na faculdade a fazer um trabalho com um amigo. Telefonei pela cagajésima vez à Rita mas ela estava em casa de uma amiga, porque a mãe dessa amiga tinha morrido. Detesto ir para o café sozinho, não gosto mesmo nada. Parece que não pertenço a este mundo. Pedi ao Sr. Arsénio um café forte, curto e em chávena escaldada. Decidi então telefonar à Joana mas ela não me atendeu o telefone. Acho que anda chateada comigo desde 1994. Já lá vão seis (6) anos, que chatice. Ela era uma amiga muito especial, muito especial mesmo. Gostei dela desde o dia em que a conheci, ou seja, na recepção ao caloiro na faculdade. A Joana era uma rapariga lindíssima, muito bonita mesmo e ela um dia chegou muito envergonhada à minha beira e perguntou-me:

- Sr. Dr, quer ser o meu padrinho?

Nem sabia o que dizer na altura, pedi-lhe para ela me dar 1 dia para pensar, porque já tinha outras raparigas que também me tinham pedido.

A Joana foi a aluna que mais se destacou pela positiva no 1º ano: teve muito boas notas, nunca faltou a nenhuma aula, nem mesmo na altura das tradições académicas. Confesso hoje, e olhando para trás que fui um bocado duro com ela antes de ela me convidar para padrinho. Mas tem que ser assim, senão os caloiros não nos respeitam. Mas voltando à história do café: fui para a Praia do Ourigo e sentei-me numa mesa lá fora, estava bom tempo. Pus os meus óculos de sol incríveis e comecei a estudar para o exame da semana seguinte: ia ter exame final de pediatria. Tinha muito que estudar, mesmo muito. Comecei por estudar alguns diagnósticos que tinham sido distribuídos na aula do Dr. Martins, um professor fantástico que eu nunca mais vou esquecer. Convidou-me até para fazer o Internato em Medicina Interna com ele, mas acho que não gosto dessa área da Medicina. Sempre achei e cada vez estou mais inclinado para a Ortopedia ou para a área de Estomatologia.

Lá estudei até às 18:00 e fui até casa da minha avó, tinha combinado ir com ela ao cemitério. Mas acabámos por não ir, ela estava extremamente cansada, disse-me que já não está com idade para ir ao cemitério todos os dias. Como esta semana já tinha ido duas vezes tinha decidido à última da hora não ir.

Capítulo 1 do meu livro "O que não viste em seis anos"

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Noites que descansavam nas minhas palavras

Haviam noites que descansavam nas minhas palavras
Enquanto eu dormia. Ouviam-me a vontade de
Acordar pouco. Seguravam-me as pálpebras e,
Hoje sei que era para meu bem. Acho detestável

Ter que acordar todos os dias, pouco que seja
Continua a apetecer-me gritar nas paredes
Que não acordo, mas cada vez mais
Menos sei o que dizer: E de noite se fez dia

Dos dias nasceu a noite.
Tal como com o ovo e a galinha também a mim
Se coloca frequentemente uma dúvida
Em noites que descansavam nas minhas palavras,
E essa dúvida era a de acordar, pouco que fosse

Poema de Nuno Travanca,
In http://poesiaseprosas.no.sapo.pt

terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Alma do Porto

"Quem desce Gaia, com os olhos ainda presos à bonomia sólida e às vezes idílica dos subúrbios, ao seu mau gosto urbano e à sua vida comercial em que se nota uma familiaridade de província com o seu sabor de horta com glicínias e água do poço, quem traz ainda consigo essa indiferença que as coisas felizes nos provocam, suspende-se de repente ao encontrar a face da cidade. Está ela como que inclinada numa cordilheira, com o ar cativo, as faixas das ruas parecendo pendentes do casario desigual".

A luz é doce sobre os telhados de um vermelho estagnado; paredes de folha ferrugenta, cores de cimentos sujos e os verdes húmidos dos socalcos onde outrora se talhavam talvez as vinhas, compõem uma expressão de profunda simpatia moral. Há naquela velhice de bairros cruzados e lôbregos, naqueles edifícios presidiais, uma paixão e um selo de resistência. Os casaréus ribeirinhos cobrem - se de trapos que flutuam, há sobre a margem grandes lonas de cargueiros estendidas a secar; uma canhoneira prateada está ancorada como que à sombra das árvores da marginal..."

Retirado do livro "O sentimento do Porto"

Gosto feminil

Disseste que gostavas de poemas
Escrevi-te numa tarde mais de cinco
- São muito bonitos, disseste!
- Hei de mostrá-los ao meu namorado

Nunca mais confiei nos versos
Nem no gosto feminil

Poema de Mário Henrique Leiria (Escritor satírico português)

Citação do dia

A bondade é o único investimento que nunca vai à falência.

Pensem nisto, boa noite!

domingo, 4 de novembro de 2007

Aprendi

Aprendi que crescer não significa que fazemos anos
Que muitas vezes o silêncio é a melhor resposta
Que trabalhar não é só para ganhar dinheiro
Que para conquistar os amigos temos de nos mostrar como somos

Que os verdadeiros amigos ficam connosco até ao fim
Que a maldade se esconde atrás de uma bela face
Que a felicidade tem de se procurar
Que nunca sabemos tudo

Que a Natureza é a coisa mais bela da vida
Que amar é darmo-nos por inteiro
Que se pode conversar com as estrelas
Que me posso confessar à Lua

Que ouvir uma palavra de carinho faz bem à saúde
Que é preciso sonhar,
Que se deve ser criança a vida toda,
Que somos livres...

Aprendi que não é depois de morrer que vou poder aprender a viver


Texto retirado de um profile de uma amiga minha no Hi5!
Lindas palavras! Dão que pensar!!

Já não sinto nada

Hoje, após ter visitado e re-visitado o teu perfil no Hi5 cheguei à conclusão, triste conclusão que te perdi para sempre naquele dia estúpido na festa popular de Espinho, por causa de alguém que não tem que fazer na P da vida. Hoje visitei as tuas fotos só para não me esquecer quem eras, mas já não sinto amor, revolta, desprezo, tristeza.

Hoje sei, és minha amiga para sempre! Invariavelmente!

Gostaria aqui de deixar uma frase do Gabriel Gárcia Marquez que diz qualquer coisa como isto:

- Não estejas disposto a passar o teu tempo com alguém que não tem prazer em estar contigo.

O Joãozinho morreu

Quando o despertador tocou já estava morto! Aconteceu pela manhã. Nunca esperou ir desta forma e muito menos nesta altura do ano. No Natal, quanto muito morre-se na estrada, a contrariar os números a uma qualquer operação da GNR, não numa cama na mesma posição de quem apanha banhos de sol nas Caraíbas, com o senão do tecto não prover melhor vista que as beldades que por lá se passeiam.
Não se lembra de ter tirado nenhuma senha para outra vida! Não fez nenhum teste nem se candidatou a nada parecido! Terão acabado os voluntários e agora têm que vir buscar candidatos à força?
Não gostou e interroga-se se isto da morte não terá livro de reclamações?
Outra dúvida. Quem decide estas coisas não deveria estar de férias ou a adorar o menino nas palhas deitado e a agradecer os presentes do Sr. de barba branca que não percebe que se a pintasse de preto ficaria com menos 30 anos?

Sempre achou que quando chegasse a sua hora, teria tempo de se despedir dos amigos, da família. Nunca pensou que a morte lhe entrasse pela casa, sem pedir licença e lhe levasse a vida sem tão pouco mostrar um mandato de captura.
Tivesse direito a julgamento, e provaria que a coisa foi feita com base numa acção ilegal.
Segunda dúvida. Um morto tem direito a advogado?
Que teria a vida dele feito de tão grave para que a levassem! Nem ele sabe e esteve com ela desde sempre. Fora daquela vez que caiu nos escuteiros e ficou inconsciente, mas até isso foi tão célere que não lhe deu tempo para nada!
Se acontecesse o mês passado até que nem se importava. Não tinha nenhum plano em especial, mas agora uma morte não vinha nada a calhar. Já pagou a viagem de fim de ano. Gastou uma data de dinheiro nas prendas e assim nunca saberá se lhe iam oferecer o DVD portátil.
Até já encheu o depósito para ir passar o natal à Terra, ao preço que está a Gasolina, até isso arrelia um morto!

Já para não falar de toda a comida que se ia desperdiçar! Se calhar não, nos funerais aparece sempre gente para comer. É a parte em que se aproveita para elogiar o defunto e onde há sempre alguém a dizer uma data de frases feitas sobre a vida e o que ela nos reserva.
- Pois é! Nunca sabemos para o que estamos guardados!
- Nesta vida, não valemos nada!
Se se lembrar, proíbe este tipo de exclamações no seu funeral!
Pode uma pessoa estar morta, sem se lembrar de ter morrido? Não deveria haver uma relação, causa efeito?
Isso levar-nos-ia para outra ainda maior. Não existindo, pode um morto ter uma dúvida existencial?
Ainda anteontem no elevador, pensou assediar a vizinha do quinto esquerdo depois de ela o ter olhado de soslaio. No momento achou que a seu tempo teria oportunidades para adultérios e crises de meia-idade, afinal não!

Que estranho prazer tem quem programa a morte, em levar um indivíduo arrependido de não ter assediado uma vizinha do quinto esquerdo que até o olhou de soslaio?
Custava muito avisar? Não precisava ser uma super produção com uma luz forte e uma voz em sistema
«Surround» ao nível dos milagres de Fátima! Podia ser uma coisa menor, de baixo orçamento. Há-de haver planos para coisas dessas. Tem que haver! Uma coisa simples. Só uma voz gritando no fundo da alma.
- Come-a! Come-a hoje ou nunca mais terás oportunidade!
Mas tinha que ser uma coisa credível, para um indivíduo não pensar que a voz vinha «lá de baixo», do mesmo sítio de sempre!
Ao invés ali estava ele, aos trinta e cinco anos, morto. Sem nunca ter feito um filho, pelo menos que alguém proferisse, ou plantado uma árvore. Com o depósito do carro cheio, sem ser avisado que ia morrer a três dias do Natal. Com a dúvida se terão acabado os voluntários e agora têm que vir buscar candidatos à força. Se esta coisa da morte não terá livro de reclamações. Se quem decide estas coisas não vai de ferias. Se um morto terá direito a um advogado. Se pode uma pessoa estar morta, sem se lembrar de ter morrido. Se não existindo, pode um morto ter uma dúvida existencial, e com a compunção de nunca ter comido a vizinha do quinto esquerdo!

Talvez não valha a pena entrar em pânico, até porque ninguém sabe qual seria a cara de um morto em pânico.
O ideal é disfarçar com um sorriso. Não! Também não! Já está demasiado amarelo para um sorriso insuspeito.
- João, já acordaste?
É a mulher, a Ana. Ainda não vos tinha dito que o João tem uma mulher?! Pois tem, aquela com quem casou.
Até que a morte os separe! Recorda as palavras do Padre como se fosse hoje. Será que ele sabia de alguma coisa e nunca lhe disse nada?
Também nunca mais lá voltou, se o Padre soubesse, como é que lhe ia dizer?
Podia enviar um e-mail! Será que os Padres têm e-mail?
Que pensamentos estranhos aparecem com a morte: O arrependimento de não ter comido a vizinha do quinto esquerdo e se os Padres têm e-mail!
Nunca mais lá foi mas agora vai, a não ser que consiga disfarçar muito bem. Mas como é que se disfarça uma morte? Fazendo a barba? Ninguém acorda com a barba feita e a cheirar a after-shave.

Fechando os olhos? Assim pensavam que estava a dormir! Boa ideia! Mas teria de acordar. Raios!
Há políticos que fazem isto tão bem!
E o rádio de cabeceira que não se cala. O trânsito, o tempo. Para que quer um morto saber disso?
O trânsito para o Além interessa-o. Muito ou pouco congestionado? A menos que tenha havido um terramoto algures, é capaz de ser uma viagem calma!
Como é que se viaja para o além? Há setas e tabuletas a indicar? Não lhe deveriam ter já enviado o bilhete? Passe Social? Cartão de embarque com hora e data da partida? Qualquer coisa!
Os tempos de liceu, os bailes de finalistas, os cigarros às escondidas, as loucuras de uma vida, vem tudo à cabeça.
E talvez já tenha mesmo chegado a sua hora. Mesmo que diga que não, capaz de não alterar grande coisa!
Para quê fugir à realidade, afinal o seu maior medo era morrer e isso já está, sem dor, sem sofrimento. Foi tão ténue que até tentou levantar-se e só depois é que percebeu que já estava morto!

Tudo bem, desde que não houvesse autópsia ou doação de órgãos. O João sempre foi contra isso, tinha por convicção que o único órgão que se deve doar é o órgão sexual, mas é em vida.
Agora resta esperar que dêem conta! A Ana ainda está na cozinha a preparar o pequeno-almoço, sem saber de nada. Se soubesse não se daria ao trabalho e sempre se poupavam duas chávenas de café.
Será que alguém é capaz de beber café depois de descobrir que o marido morreu? Mais uma dúvida para juntar à dos Padres terem ou não e-mail, dos mortos terem os não direito a um advogado, de saber se quem decide estas coisas não deveria estar de férias, se pode uma pessoa estar morta, sem se lembrar de ter morrido? Se pode um morto ter uma dúvida existencial, de ter o DVD portátil como prenda este Natal e à eterna dúvida se seria ou não, a vizinha do quinto esquerdo boa na cama?

«Sempre se poupavam duas chávenas de café», depois de morto é que lhe deu para ser poupado! Vê-se mesmo que não sabe quanto é que custa um funeral. E ele com certeza não vai querer um qualquer. E quantas chávenas de café os seus amigos vão beber? E os inimigos? E os outros que nem o conheciam mas também bebem? Sim que isto de funerais é como os casamentos, no fim há sempre comida e tem a vantagem de não ser preciso convite nem prenda.
A Ana que nunca mais vem, a morte é um tédio, só deu conta que morreu à meia hora e já está farto.
Será que uma pessoa já morta, pode morrer de tédio?
Mais uma dúvida para juntar às outras que já o amofinavam.
Ah! Cá está ela, entrou de rompante em direcção ao quarto de banho, enquanto perguntava:
- Então! Não te levantas?
Saiu vinte minutos depois já pronta e com mais pressa que um Funcionário Público quando chegam as cinco horas.
Pegou na mala de viagem que puxava por uma trela como quem puxa um caniche que não quer voltar a casa depois de ter ido fazer as necessidades no passeio.

Antes de sair do quarto, olhou para o João como quem olha para uma criança que não quer acordar. Voltou atrás e escreveu um bilhete que colocou na mesa-de-cabeceira ao mesmo tempo que desligava o rádio, deu-lhe um beijo na testa, achou-o frio, puxou as mantas para o aquecer e saiu.
Deixou escritas as coisas que ele teria de levar para a Terra na véspera de natal. Ela seguia à frente porque ainda tinha que passar no Porto para promover o seu novo livro. A Ana é Professora e escreve muito sobre delinquência juvenil, uma espécie de Daniel Sampaio versão feminina.
O João sabia que ela ia mas esperava que desse conta antes de sair. Se em vez de um beijo, tivessem as esposas o hábito de tirar a pulsação aos maridos antes de sair de casa e não teríamos agora este silêncio mórbido!
O que é que um morto faz numa altura destas. Capaz de não haver grande vicissitude.
Adoraria poder deixar mensagens em todos os atendedores de chamadas de todos os amigos e a um ou outro desconhecido.
- Olá, fala o João. Só para dizer que estou morto. Feliz Natal!
Resolveu não rezar. Não por ser agnóstico, mas por achar que não iria alterar nada no seu estado. Rezar por um morto não é o mesmo que comprar um árbitro depois do jogo ter findado?
Raios! Já o irritavam estas dúvidas póstumas.

Só deram com o corpo três dias depois por causa do cheiro, a Ana teve de vir da Terra e não se comemorou o Natal esse ano. Os amigos apareceram, os conhecidos também e nesse dia ninguém falou mal do defunto, foi um funeral bonito, o João gostou! Pudera, estava lá a vizinha do quinto esquerdo!

In "Outros Contos de Natal", Comédia!