sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Capítulo 2: "Hoje sim"

Capítulo 2 “Hoje sim...”

Fui hoje ao cemitério com a minha avó. O táxi percorreu ruas com casas velhas, crianças descalças e sujas, cães e gatos vadios, até nos deixar em frente a um enorme portão, no meio de um muro branco que parecia nunca mais acabar.

Trazia na mão um ramo de margaridas para o avô e uma rosa para a minha tia, irmã dela. A avó subiu uma escada à esquerda de quem entra e caminhou decidida entre túmulos brancos, pedaços de relva mal cuidada e restos de flores, até se ajoelhar ao pé de uma pedra com dizeres simples, António Gonçalves e o ano da sua morte. Fiquei de pé com as flores na mão, a ladear o avô estavam duas sepulturas cheias de frases e santos, “Eterna Saudade” e “Por ti sofri”, reparei que todo o cemitério tinha pedras verticais com mais ou menos inscrições, não existiam lugares para pôr flores, havia só espaço para pensar.

Já não sei, Avô, se nesse momento chorei a tua morte ou a perda da minha tia-avó, sei que a avó se levantou e ficámos de mão dada a olhar para o lago do cemitério, lá estavam os pássaros do enterro do avô, famílias inteiras a subir as escadas laterais, uma luz forte sobre a relva e os túmulos, aviões ao longe.

A avó ajoelhou-se outra vez para limpar a pedra do avô, guardou num saco de plástico resto de flores e pedaços de terra solta, fez o sinal da cruz e ficou em silêncio durante alguns minutos. Pensei que se tinha esquecido das margaridas e comecei a encostá-las com todo o cuidado à pedra do túmulo, para evitar que caíssem do modo abandonado de que não gostava. A avó completou o arranjo num instante e disse-me que ainda tínhamos de ir a outro lado. A avó Teresa é espectacular, parece que advinha o que estamos a pensar, como é possível saber que tenho sempre a Rita na cabeça?

Na recepção do cemitério não me senti nada bem. Perguntaram a data da tua morte, aí não foi difícil, como podia não saber? O problema é que perdi a noção do tempo, não sei se passaram dias ou semanas, às vezes parece-me que foi ontem, depois paro para pensar e julgo que foi há anos. Mas depois deixámos logo o cemitério e fui levar a avó a casa. Ela nunca andou de mota comigo, acho que tem medo. Mas eu perguntava-lhe como é que ela tinha medo de andar de mota se o avô teve sempre uma. Ela respondia-me:

- Eu andava, porque não tinha outro remédio. Mas o teu avô era muito cuidadoso.

A tarde de hoje foi inesperada. Saí da faculdade um pouco cansado, depois do lanche dormi um sono tranquilo como há muito não acontecia e ao fim da tarde consegui estudar com rendimento.

O Eduardo telefonou-me depois do jantar para me convidar para sair. Tinha esquecido por completo que era sexta-feira e nas últimas semanas a noite não fazia qualquer sentido.

Devo ter mostrado que andava mesmo numa má porque, ao contrário do habitual, os meus pais encorajaram-me a sair desde que não viesse tarde, frase que já ouvi para cima de quinhentas vezes. O meu pai até disse que me emprestava o Porsche à noite. Mas eu preferi ir de táxi até um café perto de casa do Eduardo. Quando saímos à noite nunca levamos as motas nem os carros porque sabemos que vamos beber. O João chegou ao mesmo tempo que eu, trazia como de costume uma T-shirt sobre a defesa do ambiente e umas calças largas como é moda agora, começámos logo a falar de futebol e do stress da faculdade.

O Eduardo vinha eufórico. Tinha recebido um telefonema de uma rapariga com quem tinha curtido no fim-de-semana anterior, disse-nos que não estava à espera, mas que era óptimo. Podia ser mesmo que desse para andar, logo se veria.

Bebemos umas cervejas, o João contou anedotas desta vez com graça, estávamos muito próximos e não me senti mal. O que mais gosto nos amigos é a maneira como dão apoio sem falarem disso, a forma como se preocupam comigo sem precisarem de o mostrar. É certo que não tenho muitos amigos mas os que tenho são fiéis e preocupam-se comigo. Ficámos a fazer horas até o café fechar. Adoro esta pastelaria na parte velha da cidade, dava para ver o Rio Douro e a Ribeira de Gaia, mesas pequenas com tampo de vidro e pé de metal, cadeiras de madeira, à esquerda uma parte moderna que parece pertencer a outra loja mas ainda faz parte do café.

Quando saímos do café ainda ficámos algum tempo a conversar, o Eduardo encostado a um candeeiro a contar mais uma anedota, eu e o João sentados num pequeno muro em frente. Às vezes gosto mais destes momentos do que da discoteca onde vamos, embora desta vez o Eduardo tinha dito que era um sítio espectacular.

A discoteca escolhida pelo Eduardo não ficava longe. Entrava-se para um centro comercial antiquado, portas de vidro ainda de empurrar, passadeira de cor indefinida gasta pelo uso, pequenas lojas ao longo do corredor até chegar a uma grande escada de acesso à cave, parecia um centro comercial parado no tempo. O porteiro era muito alto e tinha ar de estrangeiro, comecei a pensar que não ia com a minha cara e ficaríamos pendurados, mas o Pedro conhece sempre alguém da gerência e num instante estávamos lá dentro.

Observei o ambiente. Um bengaleiro e um bar frente à entrada, ao fundo máquinas tipo flippers que o escuro não deixava perceber bem, outro bar junto à pista, tudo como eu gosto, bastante pequeno e íntimo. Música electrónica repetitiva, reconhecia faixas de cd´s recentes que a minha mãe descrevia como marteladas, muita malta nova de copo na mão junto aos balcões. O João pediu umas cervejas e passado um bocado já estava na pista, a meter conversa com duas raparigas bem giras. Fiquei com o Eduardo junto ao bar, com vista para o WC das mulheres, como ele disse com um grande sorriso.

A uma certa altura houve uma rapariga que se riu para mim e eu caminhei na direcção dela. Cumprimentámo-nos e começámos a falar. Chamava-se Mariana e era uma rapariga lindíssima, alta, parecia ser uma modelo. Trocámos logo os números de telefone, endereços de e-mail. Passaram três horas sem eu ter dado por isso. Entretanto o Eduardo chegou à minha beira e disse-me que se tinha de ir embora. Eu concordei com ele e saímos. Tinha dito à Mariana que lhe telefonava no dia seguinte para irmos tomar um café. Ela disse que ia estar na Net a seguir ao almoço, preferia que combinássemos a partir da Internet. Para além de ficar mais barato, ainda não tinha confiança com ela para lhe telefonar.

Fui para a faculdade de manhã cedo para não apanhar o trânsito infernal do Porto, mais propriamente ali na zona das Antas e do Hospital de São João. Saí de casa bastante cedo, o meu pai ainda nem sequer estava a tomar o pequeno-almoço. Acabei por tomar o pequeno-almoço na faculdade. Nunca mais me vou esquecer do que vi quando estava a entrar: uma mulher ucraniana a entrar com o filho nos braços, o miúdo não conseguia respirar. Eram ainda 7:45 e já o São João parecia um pandemónio: ambulâncias a chegar, ambulâncias a partir. Enfim, um verdadeiro pandemónio.

Estava eu a passar pela sala dos alunos quando vejo a minha afilhada atarefada como sempre a estudar, convidei-a para tomar o pequeno-almoço. Passámos então pela Urgência só para ver como é que estava o “ambiente” e seguimos em direcção ao bar. O bar já estava atafulhado de professores a tomar o pequeno-almoço, uns com um ar ensonado, outros nem por isso. Tomei um café com leite e comi um brioche (pão de leite) com manteiga. A Joana gozava sempre comigo quando eu pedia um brioche e começávamo-nos a rir. O Miguel tinha a mania que era inteligente e pedia sempre um copo de leite e um croissant prensado com manteiga e fiambre. Ele dizia sempre que o homem que cresce inteligente tem que beber um copo de leite ao pequeno-almoço, um depois do almoço e outro ao jantar. Eu disse-lhe um dia:

- Ó Miguel, eu se bebesse tanto leite como tu ficava branco.

Ao que ele respondeu:

- Mas ficavas mais saudável, no golfe precisas de ter músculos fortes, e o leite fortalece, como sabes!

Seguimos em direcção às salas de aulas, tínhamos aula de Pediatria, custava-me ver crianças tão pequeninas a sofrer numa cama de hospital mas é assim a vida, como dizia a Joana. A aula correu bem e quando acabou fomos almoçar a um shopping que havia perto da faculdade. Quando acabámos de almoçar fui à faculdade buscar a mota e fui passear pela beira-mar, comecei na Foz e só acabei em Miramar, a poucos quilómetros de Espinho e Granja. Fui lá ter com uma amiga minha, a Bárbara, uma miúda muito interessante que veio de Lisboa para o Porto para estudar Gestão de Empresas. Andava numa faculdade privada. Tinha antes telefonado à Mariana mas ela tinha uma consulta no dentista. Não sei se era verdade ou não mas o que é certo é que combinámos ir tomar café a seguir ao jantar.

Cheguei a casa relativamente cedo, eram 18:30, o meu pai já lá estava. Pedi-lhe emprestado o Porsche para ir sair à noite e ele aceitou o meu pedido, acabando por dizer:

- Vê lá se não andas depressa, lembra-te que levas uma pessoa no carro.

O meu pai sabia perfeitamente que eu não andava depressa, ainda por cima no Porsche. Falei-lhe da Mariana e ele achou bem que eu me divertisse e namorasse.... Coisas de pai.

Fui buscar a Mariana a casa, não ficava muito longe da minha, ela também morava na Marechal. Fiquei encantado com a casa dela, convidou-me para entrar porque os pais não estavam em casa. Só lá estava a Mariana e o Simba, um cão de raça Dogue Alemão, enorme.

Era um cão muito simpático e até gostou de mim, deu-me um abraço, pôs-me as patas nos ombros. Fiquei foi maravilhado com o salão de casa dela, tinha um piano de cauda, uma bateria, várias colunas de concerto, uma mesa de mistura enorme de uma marca alemã. O irmão dela, o Miguel tinha uma banda que tocava em vários bares da cidade do Porto e Matosinhos. O género de música que eles tocavam era calmo, jazz e bossa nova. Ainda não tive oportunidade de assistir a nenhum concerto deles mas ela disse-me:

- Amanhã eles vão fazer um ensaio, telefono-te e vens cá assistir. Já gravaram um CD de demonstrações e a editora tinha gostado de ouvir, quem sabe se eles não chegam longe!?

Fomos tomar café ao Nomt, um café restaurante em Gaia, perto da Ribeira. Estivemos na conversa até às 2:00 e depois fui levá-la a casa porque no dia seguinte, apesar de ser sábado tinha que me levantar cedo porque tinha um torneio de golfe em Ponte de Lima. Ando a levar o golfe muito a sério, se calhar mais a sério que a Medicina, o meu pai já me disse que me tirava os tacos se eu não passasse este ano.

Mas disse ao meu pai que entrei para Medicina porque já tinha representado mais do que uma vez o país e por isso tinha estatuto de atleta de alta competição. Disse-lhe:

- Não te esqueças que a média para Medicina é muito alta, mais ou menos 18,5 e eu entrei com 15. Não te esqueças disso.

Por falar agora em golfe vou aqui confessar uma coisa: comecei a jogar golfe com o meu pai no Oporto Golf Club quando tinha 6 anos. Achei aquele jogo uma seca, tinha que caminhar muito e ainda por cima era um desporto um tanto ou quanto elitista. Lá no clube era só pessoas da Foz e da Marechal a chamarem tio ao meu pai e eu pensava:

- A minha família é muito grande, pelo menos aqui no golfe.

Ganhei o meu primeiro torneio no ano longínquo de 1996, ou seja, há mais de 6 anos. Tinha na altura 15 anos e mal acabei esse torneio dirigi-me ao balneário e estava lá o meu treinador e o seleccionador nacional de Golfe e disse-me que tinha gostado de me ver jogar, que eu tinha um swing fabuloso, uma batida de bola fantástica e eu agradeci. Daí até representar a selecção foi um passo. O torneio foi em Agosto e eu em Dezembro desloquei-me à Quinta da Ria para um estágio. Estavam lá os melhores jogadores de golfe portugueses, os meus ídolos. Fiquei num quarto com o seleccionador visto ser o primeiro estágio. Era uma pessoa bastante comunicativa, simpática e divertida. Foi bastante duro passar uma semana fora de casa, acordar todos os dias às 6:30 da manhã para tomar o pequeno-almoço, às 8:30 já estávamos a treinar no Driving Range. À tarde costumávamos fazer 18 buracos na modalidade de Stroke Play, não gostava muito desta modalidade mas enfim, quem mandava era o treinador. No dia em que me vim embora o meu treinador ofereceu-me um livro bastante interessante, estava intitulado de “O Golfe não é um desporto para perfeccionistas”. Ele disse-me que eu tinha de jogar golfe para me divertir, não podia querer ver resultados depressa. Apenas jogar para me divertir, tanto que eu ainda não tinha jogo para ser regular, ou seja, fazer bons resultados e descer de handicap. O meu handicap na altura era de 13, e agora passados mais de 10 anos está em 0,2. Sou quase skretch. Não sei se quero fazer do golfe a minha vida, até porque estou a tirar medicina.

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