sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Capítulo 1: "Que chatice"

Hoje apetece-me partir tudo, pegar na minha mota e desaparecer ao longe, deixar de vez a faculdade e os amigos, dizer adeus aos pais e ir embora.

Nunca pensei que surgisse uma coisa destas. Olho para a minha cara no espelho da casa de banho e não quero acreditar no que aconteceu. Acho que ando com mau aspecto, talvez seja porque estou sem pachorra para fazer a barba. A minha mãe diz que tenho de a fazer todos os dias, porque ainda não é suficientemente forte para se deixar crescer e se não me barbeio fico com ar doente. Eu sei que é por outra razão, mas não consigo falar com os meus pais sobre o que se passou: uma negativa a Neuro-Anatomia.

Tentei ter uma conversa com o Pedro. Disse-lhe que não tinha nenhuma namorada, não andava com ninguém e que tinha tido um problema. Mas que problema foi esse? Ainda hoje me pergunto: como é que eu reprovei a neuro anatomia? Uma disciplina em que não tinha dificuldades? Sempre gostei de saber o que é que há no cérebro, porque é que temos problemas na cabeça, qual é a zona do cérebro que “trabalha” o tema MULHEIRES. Numa semana fui operado ao joelho, fiz uma artroscopia exploratória, falei sobre a minha paixão de medicina com o médico, disse que tinha concorrido à UP para medicina. Andei nervoso e passados alguns dias soube que tinha entrado em Medicina. A minha mãe era economista e o meu pai engenheiro, não saí a ninguém de lá de casa. A minha irmã é arquitecta de interiores e mora em Barcelona desde 1993. Já lá vão sete anos, costumamos estar juntos no Natal, no Ano Novo e na Páscoa mas já não é a mesma coisa. Às vezes vou lá fazer uma visitinha, passo lá dez dias. Sinto saudade das nossas conversas, das nossas noitadas a ver filmes e a comer pipocas. Sinto saudades das nossas corridas de mota. Nunca lhe disse isto mas ela andava melhor do que eu.

Peguei na mota e fui até à Foz para tomar uma cerveja ou duas, telefonei ao Eduardo mas ele estava na faculdade a fazer um trabalho com um amigo. Telefonei pela cagajésima vez à Rita mas ela estava em casa de uma amiga, porque a mãe dessa amiga tinha morrido. Detesto ir para o café sozinho, não gosto mesmo nada. Parece que não pertenço a este mundo. Pedi ao Sr. Arsénio um café forte, curto e em chávena escaldada. Decidi então telefonar à Joana mas ela não me atendeu o telefone. Acho que anda chateada comigo desde 1994. Já lá vão seis (6) anos, que chatice. Ela era uma amiga muito especial, muito especial mesmo. Gostei dela desde o dia em que a conheci, ou seja, na recepção ao caloiro na faculdade. A Joana era uma rapariga lindíssima, muito bonita mesmo e ela um dia chegou muito envergonhada à minha beira e perguntou-me:

- Sr. Dr, quer ser o meu padrinho?

Nem sabia o que dizer na altura, pedi-lhe para ela me dar 1 dia para pensar, porque já tinha outras raparigas que também me tinham pedido.

A Joana foi a aluna que mais se destacou pela positiva no 1º ano: teve muito boas notas, nunca faltou a nenhuma aula, nem mesmo na altura das tradições académicas. Confesso hoje, e olhando para trás que fui um bocado duro com ela antes de ela me convidar para padrinho. Mas tem que ser assim, senão os caloiros não nos respeitam. Mas voltando à história do café: fui para a Praia do Ourigo e sentei-me numa mesa lá fora, estava bom tempo. Pus os meus óculos de sol incríveis e comecei a estudar para o exame da semana seguinte: ia ter exame final de pediatria. Tinha muito que estudar, mesmo muito. Comecei por estudar alguns diagnósticos que tinham sido distribuídos na aula do Dr. Martins, um professor fantástico que eu nunca mais vou esquecer. Convidou-me até para fazer o Internato em Medicina Interna com ele, mas acho que não gosto dessa área da Medicina. Sempre achei e cada vez estou mais inclinado para a Ortopedia ou para a área de Estomatologia.

Lá estudei até às 18:00 e fui até casa da minha avó, tinha combinado ir com ela ao cemitério. Mas acabámos por não ir, ela estava extremamente cansada, disse-me que já não está com idade para ir ao cemitério todos os dias. Como esta semana já tinha ido duas vezes tinha decidido à última da hora não ir.

Capítulo 1 do meu livro "O que não viste em seis anos"

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